Pouco se escrevia e publicava sobre relações raciais no Brasil. […] A sociologia das relações raciais ocupava um espaço marginal no cenário das ciências sociais. Passados vinte e seis anos, muitas foram as mudanças nas relações raciais no país e nos estudos a elas relacionados, em cujo contexto dei continuidade ao meu trabalho. (Carlos Hasenbalg; apresentação da segunda edição de Discriminação e Desigualdades Raciais no Brasil, 2005)

Esse depoimento de Carlos Hasenbalg, presente na apresentação da segunda edição de Discriminação e Desigualdade Racial, sintetiza a trajetória que atravessa o Departamento de Estudos Afro-Brasileiros do CEAA e desemboca na criação do Centro de Estudos Afro-Brasileiros (CEAB), oficialmente instituído em 2002, após a saída de Lívio Sansone. O CEAB surge como uma reformatação do antigo Departamento, agora dotado de autonomia financeira e projetado para consolidar uma agenda de pesquisa em torno das relações raciais no Brasil, articulando sociologia, antropologia e história.

A gênese do Departamento antecede a própria gestão de Hasenbalg no CEAA e corresponde a um momento de introdução dos estudos de relações raciais no Brasil, quando o campo de estudos afro-brasileiros se consolidava ainda de maneira dispersa. Sob a influência de Carlos Hasenbalg, em parceria com Nelson do Valle Silva, foi estruturado o Laboratório de Pesquisa sobre Desigualdades Raciais no Brasil, que reuniu jovens pesquisadores e futuros quadros acadêmicos como Denise Ferreira da Silva, Márcia Lima, Luiz Cláudio Barcelos e Olivia Gomes da Cunha. Esse espaço foi decisivo para a profissionalização de uma geração de intelectuais que daria continuidade à agenda inaugurada pelo CEAA.

A década de 1980 marcou a renovação dessa agenda de pesquisa. A publicação da revista Estudos Afro-Asiáticos (EAA) revela bem esse deslocamento. Enquanto no que Segura-Ramírez chama de primeira etapa (1978–1985), a revista concentrava-se sobretudo na África: de um total de 28 artigos publicados, 50% tratavam de temas africanos (colonização, independência, racismo, apartheid), enquanto apenas 10,7% se dedicavam diretamente aos afro-brasileiros. Já na segunda etapa (1986–1997), sob a influência de Hasenbalg, a revista passou por uma guinada: dos 194 artigos publicados, 59,3% versavam sobre o Brasil. Dentro desse conjunto, 38,3% discutiam relações raciais e desigualdades, 25,2% escravidão e abolição, e 24,3% cultura, política e identidade. Em resumo, a produção da EAA transitou de um foco majoritariamente africano para a centralidade das desigualdades raciais e da experiência afro-brasileira (SEGURA-RAMIREZ, 2000).
Esse movimento deve ser lido como parte de uma modernização da agenda acadêmica. Na sociologia, abriu-se espaço privilegiado para o estudo das desigualdades raciais e da estratificação social; na antropologia, o interesse voltou-se cada vez mais para cultura, religiosidade e identidades. Essa dupla inflexão garantiu ao CEAA e depois ao CEAB um papel de destaque na consolidação do subcampo das relações raciais no Brasil.
Foi nesse ambiente que se consolidaram iniciativas acadêmicas inovadoras. O Concurso Nacional de Dotações de Pesquisas sobre o Negro no Brasil, realizado durante dez anos, foi um marco na promoção de jovens pesquisadores, estimulando trabalhos originais sem vinculação direta com organizações do movimento social. A iniciativa funcionou como uma espécie de ação afirmativa embrionária, ao priorizar estrategicamente candidatas e candidatos negros, impulsionando suas carreiras acadêmicas. Diversas pesquisas financiadas pelo programa se tornaram trabalhos importantes no campo dos estudos afro-brasileiros, e muitos dos bolsistas contemplados, como Carlos Rodrigues Brandão e Vera Moreira Figueira, se tornaram nomes de destaque na área.

O centenário da abolição, em 1988, representou outro momento decisivo. As comemorações representaram uma possibilidade de expansão da rede de contatos do CEAA, com eventos produzido em conjunto com outras universidades, centros e instituições de pesquisa, como a UFRJ e a Fundação Casa de Rui Barbosa. Os movimentos de participação do Centro neste momento histórico do país resultaram na publicação do Cadastro da Produção Intelectual sobre Escravidão e Relações Raciais no Brasil (1970–1990), obra que se tornou referência bibliográfica incontornável no campo.

Nesta linha, em 1992, o CEAA promoveu o Seminário Internacional sobre Racismo e Relações Raciais nos Países da Diáspora Africana que reuniu intelectuais de referência como Colin Darch, Peggy Lovell, Michael Turner e Thomas C. Holt, antecipando o esforço do Centro para sediar debates internacionais. Essa experiência desembocaria no Programa Fábrica de Ideias (1997), sob a coordenação de Lívio Sansone, concebido como uma ação afirmativa por cor e classe na pós-graduação e um esforço de interiorização da formação de quadros, promovendo a internacionalização através do diálogo Sul–Sul e da atração de professores estrangeiros. Ao longo de mais de uma década, o Fábrica de Ideias organizou colóquios internacionais, minicursos, simpósios e programas de publicações que resultaram na tradução e difusão de obras fundamentais sobre África e diáspora. Entre seus marcos, destacam-se os colóquios A Construção Transatlântica da Noção de Raça e do Antirracismo (Gorée, Senegal, 2002), Youth and Nationalism (Salvador, 2004) e Mestizajes (Cidade do Cabo, 2004).
Na virada para os anos 2000, além de acolher o Fábrica de Ideias, o CEAB deu continuidade a projetos que marcaram sua inserção na agenda contemporânea, como os estudos sobre masculinidades e negritudes – a exemplo do Projeto Homem com H – e a sistematização da memória do movimento negro através de acervos documentais e colaborações internacionais.
Nesta linha, em 2001, o CEAB promoveu uma série de seminários internos, entre outubro e dezembro, que reuniram pesquisadoras e pesquisadores como Rosana Heringer, com a conferência “Estratégias de combate às desigualdades raciais no Brasil”; Livio Sansone e Carlos Nobre, com “Os Sargentos Negros do Batalhão de Copacabana”; José Maurício Arruti, com “Etnias Federais: O Processo de Identificação entre Remanescentes de Quilombos”; Simone Silva, com “Embranquecimento da Imagem de Machado de Assis”; e Elyelma Machado, com “Assimilação e segredo: um estudo sobre relações raciais em universidades”. No mesmo ano, foi organizado o programa Summer School (UCAM/CEAB/UC Berkeley), que, em 2001 e 2002, trouxe estudantes da Universidade da Califórnia – Berkeley para participarem de um curso de férias na Universidade Cândido Mendes, com bolsas que lhes permitiam acompanhar as atividades do Centro.
No ano seguinte, 2002, o CEAB prestou consultoria ao Centro de Estudos e Ações Culturais e de Cidadania (CEACC) para a realização de um diagnóstico sobre a situação de crianças e adolescentes na Cidade de Deus (2002–2003) e deu continuidade à realização de seminários internos, que contaram com apresentações de Alain Pascal Kally (“Talibé/Meninos de Rua em Dacar e Meninos de Rua em Salvador”), Dominique Vidal (“Sentimentos Sociais e Justiça”), Osmundo de Araujo Pinho (“A Formação do Vínculo Raça e Classe em Salvador”) e Laura Moutinho (“‘Cor’ do Desejo no Mercado Afetivo-Sexual Carioca”).
Já em 2003, os seminários internos tiveram como convidados Mónica Treviño González, com a apresentação “Raça, hegemonia, mobilização: quais os papéis do Estado e da sociedade civil?”; José Luis Petruccelli, com “Classificação étnico-racial e políticas de ação afirmativa”; e Moema de Poli Teixeira, com “Negros Egressos da Universidade Federal Fluminense (1995-2002)”, reafirmando o compromisso do CEAB em articular pesquisa, formação e debate crítico sobre relações raciais.
O percurso que vai do Departamento de Estudos Afro-Brasileiros do CEAA até a criação do CEAB, em 2002, mostra como o centro se consolidou como núcleo estratégico de modernização acadêmica, produção intelectual e promoção da ação afirmativa. Ao mesmo tempo, evidencia seu papel de guardião das memórias do movimento negro e de incubador de redes de pesquisa que continuam a estruturar o campo das relações raciais no Brasil e no Atlântico Negro.

Referência Citada
SEGURA-RAMIREZ, Hector Fernando. Revista Estudos Afro-Asiáticos (1978–1997) e relações raciais no Brasil: elementos para o estudo do subcampo acadêmico das relações raciais no Brasil. Dissertação de Mestrado, 2000.

Aqui apresentamos 10 arquivos, contendo principalmente artigos acadêmicos, um em colaboração com Nelson do Valle Silva, e uma transcrição de palestra, representando nosso acervo sobre a produção intelectual de Carlos A. Hasenbalg durante seu período à frente do Centro. O tema central desses documentos é a análise das desigualdades raciais no Brasil, particularmente no que diz respeito à população negra, e comparações com a dinâmica racial nos Estados Unidos e em outros países latino-americanos.
Os documentos exploram vários aspectos da desigualdade racial, incluindo disparidades educacionais e ocupacionais, diferenças de renda e o contexto histórico das relações raciais no Brasil pós-abolição. Os principais temas explorados incluem o “mito da democracia racial”, o conceito de “branqueamento”, a proletarização tardia e desigual de indivíduos negros e o impacto das crises econômicas nas desigualdades sociais e raciais. A coleção oferece uma visão da extensa pesquisa e da perspectiva crítica de Hasenbalg sobre raça na sociedade brasileira.

Hasenbalg: cidadania de 2a classe

Palestra sobre “Cidadania de 2a Classe”, discutindo discriminação racial no Brasil e comparando com a experiência dos EUA.

Hasenbalg: Notas sobre a pesquisa.

Artigo acadêmico de fevereiro de 1990, refletindo mais de quinze anos de pesquisa sobre desigualdades raciais no Brasil, discutindo como a questão tem sido tratada nas ciências sociais brasileiras, o conhecimento atual e possíveis ações para reduzir essas desigualdades.

Descriminação e desigualdade no Brasil – prefácio

Prefácio escrito pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que descreve o escopo do livro, incluindo capítulos sobre a evolução das desigualdades raciais, mobilidade social, política e raça no Brasil.

HASENBALG, Carlos. O negro na indústria – proletarização.

Artigo apresentado no XV Encontro da ANPOCS em 1991, discutindo a proletarização tardia e desigual de indivíduos negros na indústria brasileira após a abolição da escravidão, com foco em dados históricos e diferenças regionais.

HASENBALG. O negro nas vésperas do centenário.

Artigo apresentado no X Encontro da ANPOCS, com foco na situação dos negros brasileiros pouco antes do centenário da abolição da escravatura. O texto discute as persistentes desigualdades raciais em educação, ocupação e renda, e critica o mito disseminado da democracia racial no Brasil.

HASENBALG. Notas sobre Relações de Raça no Brasil e na América Latina. 

Um artigo apresentado em 1990, que discute as relações raciais no Brasil e na América Latina, sugere que o Brasil compartilha traços comuns com outros países latino-americanos de língua espanhola no que diz respeito às relações raciais, caracterizadas pelo conceito de “branqueamento” e por uma apregoada harmonia racial que muitas vezes oculta a subordinação social.

HASENBALG; SILVA; Pobreza e desigualdade no Brasil dos anos 80.

Artigo escrito com Nelson do Valle Silva, apresentado em 1992, que analisa a pobreza e a desigualdade no Brasil durante a década de 1980. O artigo discute as “oportunidades perdidas de desenvolvimento humano” no país devido à alta desigualdade de renda e à alocação ineficiente de recursos públicos, vinculando essas questões à crise econômica e à dívida.

HASENBALG. O Negro 98 anos depois da abolição

Artigo discutindo a situação dos negros brasileiros 98 anos após a abolição, citando relatos da mídia sobre racismo.

HASENBALG; SILVA. Raça e Oportunidades educacionais no Brasil

Artigo analisando desigualdades raciais em oportunidades educacionais no Brasil.

Editoriais Os Números da Cor 1, 2 e 3.

Editoriais das Edições 1, 2 e 3 do clipping Os Números da Cor, produzido por Carlos Hasenbalg, Márcia Lima e Nelson do Valle Silva.

Visita de Nelson Mandela ao Brasil.

Capa e apresentação do clipping temático sobre a cobertura da visita de Nelson Mandela ao Brasil em 1991.

Ofício Serviço Público Federal ao Hasenbalg.

Carta oficial sobre o projeto “Guia Brasileiro de Fontes para a História da África, da Escravidão Negra e do Negro na Sociedade Atual”

Telegrama reunião com Hasenbalg 

Telegrama convidando Beatriz Nascimento para uma reunião no CEAA com Carlos Hasenbalg.

Hasenbalg à Edmeire Oliveira

Carta para Edmeire Oliveira Exaltação parabenizando os pesquisadores com projetos selecionados no VI Concurso de Dotações para Pesquisa sobre o Negro no Brasil.

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