O Afro e o
“O Centro haveria de funcionar como ‘almoxarifado’ do Movimento Negro”. Assim, em paráfrase, José Maria Nunes Pereira referia-se ao que estava sendo criado nos primeiros anos da década de 70.
Ao falarmos do Afro é importante termos em mente que este é o primeiro Centro de Estudos Africanos construído a partir de uma aliança entre a academia e o movimento social negro, diferentemente dos outros centros similares, o CEA da USP e o CEAO da UFBA.
Originado em 1973, este espaço progrediu de encontros com debates e leituras promovidos aos sábados no prédio da UCAM, em Ipanema, mantidos por José Maria Nunes Pereira, seu primeiro vice-diretor, e diversas lideranças e intelectuais reconhecidos como Theresa Santos, Beatriz do Nascimento, Amauri Mendes, Helena Theodoro, Yedo Ferreira e outros que afluíam avidamente para um Centro de pesquisa que possuía o mais importante centro de documentação sobre o continente africano contemporâneo. Além dos indivíduos, outras instituições participaram ativamente e/ou derivaram da construção do Afro como o IPCN (Instituto de Pesquisa das Culturas Negras), o GTAR (Grupo de Trabalho André Rebouças) e o Sinba (Sociedade de Intercâmbio Brasil-África).
Esta relação permeada de conflitos e contradições produziu posteriormente, na primeira sede do CEAA, em Ipanema, uma série de encontros dedicados aos assuntos sociais mais relevantes da época: a descolonização dos países africanos, especialmente dos lusófonos, o engajamento na luta contra o apartheid sul- africano, o debate sobre a situação do negro no Brasil. Importante frisar que o Afro era visto por seus protagonistas como um espaço promotor de condições favoráveis para intervenção na sociedade.
A partir disso, realizou diversas ambições tradicionalmente reconhecidas dos movimentos sociais negros brasileiros, promovendo cursos livres em um primeiro momento, e, mais tarde, a primeira pós-graduação lato sensu em História da África e do negro no Brasil , com início em 1996. Também foi reconhecido pela ampla capacitação que ofereceu a professores da rede pública estadual do Rio de Janeiro nesta mesma área durante o governo Benedita da Silva (2002), antes mesmo da obrigatoriedade deste ensino, instituída pela lei 10.639 de 2003.
Os temas educacionais, o revisionismo histórico e o papel da chamada cultura negra para e no Brasil nortearam diversas abordagens disponíveis na produção intelectual de cada pessoa que passou pelo Centro, no perfil editorial da Revista de Estudos Afro-Asiáticos, nas obras traduzidas ou publicadas com o selo do Afro, e nas muitas dissertações e teses produzidas por pesquisadores associados, vários deles pesquisadores negros contemplados no Concurso de Dotações que o CEAA realizava a cada ano, desde 1986.
A promoção da cooperação entre os países do Sul, em perspectiva diaspórica, vista como estratégica por Cândido Mendes e diversos intelectuais e militantes, também ajuda a explicar a posição ímpar do Afro. Por muito tempo, diversos setores do movimento social negro buscaram integrar-se com o continente africano em busca da “verdadeira história do negro”. Essa visão fica mais evidente a partir do olhar baiano sobre religião e cultura (dando o devido espaço ao candomblé), e também da reflexão fluminense, interessada em buscar as origens de traços, jeitos e trejeitos do brasileiro na África. Em contrapartida, a recepção de estudantes africanos pelo Centro rendia bons frutos para a pesquisa e a própria expansão das ciências sociais em países como Moçambique.
Neste entendimento, articulava-se a história da resistência à escravidão com a resistência africana à colonização. A partir desses termos, diversos nomes do continente africano foram resgatados do passado e, os vivos, trazidos para o Brasil, representando o futuro tão esperado para os revolucionários independentistas dos PALOP.
Nas palavras de Amauri Mendes (2022), o Afro “cumpriu importante papel na institucionalização da luta contra o racismo no Brasil: pelo que produziu(...); pelo que articulou (...); pelo que difundiu (...); e pelo que apoiou. Uma protoação afirmativa na composição de seu quadro de pessoal, e a abertura de seu acervo a pessoas interessadas de fora da universidade”.
Texto de: Alexandre de Paiva Rio Camargo; Camila Gonçalves De Mario; Gabriel Delphino; Marianne da Silva Rocha; Thiago Campos da Silva.
Referências:
MOUTINHO, Laura. Negociando discursos: análise das relações entre Fundação Ford, os movimentos negros e a academia na década de 80. Dissertação de Mestrado em sociologia, IFCS/UFRJ, 198 f. 1996.
PEREIRA, Amauri Mendes. “Deu samba”: o CEAA e a militância política-acadêmica na luta contra o racismo no Brasil. Afro-Ásia, n. 66 (2022), pp. 551-581.
Memória do Movimento Negro
Apresentamos aqui parte desse material, iconografia que compõe a história sobre a relação do CEAA com o Movimento Negro, principalmente o carioca.
O CEAA possui valioso acervo que abrange não apenas a produção acadêmica sobre seus temas de pesquisa, mas também uma série de documentos históricos e clippings de notícias publicadas em jornais nacionais e estrangeiros sobre a atuação do movimento negro e sobre a política e o cotidiano dos países africanos.
Nossa seleção de alguns exemplares de extenso material, abarca fotografias, folders, cartazes, convites para eventos, material de divulgação e conscientização social, peças de exposição, arte e cultura, folhetos e programas dos encontros nacionais e regionais da militância, eventos acadêmicos sobre temas de interesse (com a respectiva programação), bem como material de campanha política anti racista e anti apartheid.
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Este Projeto foi financiado pela FAPERJ, por meio do Edital 29/2021, Apoio aos Programas e Cursos de Pós-Graduação Stricto Sensu do Estado do Rio de Janeiro (Processo E-26/210.966/2021), e do Edital 28/2021, Programa de Apoio a Projetos Temáticos no Rio de Janeiro (Processo E-26/211.317/2021).