Em memória de

José Maria Nunes Pereira

(1937 - 2015)

Candido Mendes de Almeida

(1928 - 2022)

Carlos Hasenbalg

(1942 - 2014)

Conheça José Maria Nunes Pereira​

José Maria Nunes Pereira Conceição foi um dos fundadores, em 1973, do Centro de Estudos Afro-Asiáticos (CEAA) da Faculdade Candido Mendes, no Rio de Janeiro, uma instituição de referência para assuntos ligados à África e suas relações com o Brasil. Nascido em São Luís do Maranhão (1937), estudou em Portugal (1947-1962) e participou dos movimentos de libertação das colônias portuguesas na África. Graduou-se em ciências sociais na UFF (1972), foi professor de história da África e editor da revista Estudos Afro-Asiáticos, do CEAA (1978-1986). Sua dissertação de mestrado em sociologia, defendida na USP em 1991, teve como tema o centro de estudos que fundou: ''Os estudos africanos no Brasil e as relações com a África - um estudo de caso: o CEAA (1973-1986)". A tese de doutorado, também defendida na USP, em 1999, intitulou-se "Angola: uma política externa em contexto de crise (1975-1994)". (Entrevista com José Maria Nunes Pereira, 2007).

José Maria Nunes Pereira é um nome fundamental, fundacional, para o CEAA.

Foi Professor, pesquisador, divulgador e grande incentivador da luta dos negros brasileiros pela sua identidade e pelo resgate da História da África e dos seus descendentes no Brasil, como bem coloca sua filha Luena Nascimento Nunes Pereira (2015).​

Foi de sua paixão pelos livros e de seu empenho e compromisso com a divulgação da história e da luta dos africanos, e de seu encontro com o Professor Candido Mendes, que nasceu o "Afro".

A partir da fundação do CEAA em 1973, Zé Maria como era conhecido por todos, dedicou sua carreira ao "Afro", atuou como diretor do CEAA entre 1973 e 1986, após continuou vinculado ao centro como pesquisador e professor. Sua dedicação foi fundamental para tornar o CEAA instituição de referência não só para estudiosos de África, como também para brasileiros descendentes de africanos em busca de sua história.​

No "Afro", José Maria colaborou para a construção de uma biblioteca até hoje referência para estudiosos de África, diáspora e relações raciais no Brasil; organizou vários cursos sobre África, Angola, política externa angolana, relações Brasil-África, colonialismo e descolonização. Em 1997 se dedicou ao primeiro curso de pós-graduação lato sensu em História da África no Brasil. Profundo conhecedor de África, foi autor de vários textos e orientou informalmente muitos estudantes e pesquisadores que passaram pelo CEAA.​

José Maria sempre se manteve próximo da militancia e do movimento negro, nos anos 1970 dos encontros que ele promovia no "Afro" nasceram na cidade do Rio de Janeiro importantes organizações afro-brasileiras, estão entre elas: o Instituto de Pesquisas e Culturas Negras (IPCN), o Grupo de Trabalho André Rebouças (GTAR), a Sociedade de Intercâmbio Brasil-África (SINBA). ​

Disponibilizamos aqui dois textos sobre sua trajetória: uma entrevista concedida por José Maria ao projeto História do Movimento Negro no Brasil, em dezembro de 2006, realizado pelo CPDOC, e um texto com pronunciamento de Luena Pereira no anfiteatro principal da Faculdade de Ciências Sociais (FCS) da Universidade Agostinho Neto (UAN), por ocasião da abertura do seu II Semestre Letivo, cujo programa incluia o lançamento da obra intitulada "O paradoxo angolano. Uma política externa em contexto de crise (1975-1994)", de José Maria Nunes Pereira, após o seu falecimento.

Texto de: Alexandre de Paiva Rio Camargo e Camila Gonçalves De Mario.

Entrevista com José Maria Nunes Pereira

Eu sempre achava que movimento negro era movimento negro. Eu tinha feito a experiência em 1966, contei para vocês, da grande organização negra.

Mas depois eu disse: "Não. A função do Afro-Asiático - até a expressão que eu usava era esta - será ser um almoxarifado do movimento negro.

Aqui eles terião todos os livros sobre África, todos os livros sobre negro no Brasil." O que quero dizer com isso? Não vamos bancar órgão militante do movimento negro. Nós somos metade brancos e metade africanos, então não vamos fazer isso." Esse meu propósito foi ultrapassado pelos acontecimentos.

Inclusive, depois, o Afro-Asiático foi durante muitos anos, a única instituição na história da universidade brasileira em que a maioria dos dirigentes, pesquisadores, técnicos e funcionários era negra.

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Conheça Candido Mendes de Almeida

Candido Mendes de Almeida, professor, advogado, sociólogo, membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), foi um raro exemplo de intelectual mecenas, empenhando seu prestígio e influência na defesa da educação de excelência e do trabalho intelectual livre e independente. Professor em importantes instituições brasileiras (como a PUC-Rio e a FGV) e estrangeiras (como Harvard, Stanford e Columbia), o terceiro Conde Mendes de Almeida – título concedido pelo Vaticano e herdado de seu avô, fundador das Faculdades Candido Mendes – se destacou por sua obra sobre a construção nacional e democrática do Brasil, e por sua atuação internacional, voltada para os fundamentos da cooperação entre os países do sul.

Formado em Direito e em Filosofia, Candido Mendes integrou o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), onde, ao lado de nomes como Hélio Jaguaribe, Alberto Guerreiro Ramos e Roland Corbusier, ajudou a correlacionar criticamente o problema nacional brasileiro com as grandes correntes do pensamento ocidental, recusando o dependentismo colonial (Jaguaribe, 2005, p. 35). O mesmo espírito esteve presente na criação do Instituto Brasileiro de Estudos Afro-Asiáticos, em 1961, este sob sua direção. Inspirado pela Política Externa Independente, de Jânio Quadros e João Goulart, o IBEAA tinha como principal função assessorar a presidência nas relações entre Brasil e África, sem interferência e pressão do colonialismo português. O Instituto contribuiu para a formação de uma política de relações comerciais com a África, através das reuniões de debate sobre relações econômicas Brasil-África, iniciadas em abril de 1962. A criação de um órgão de produção de conhecimento exclusivamente sobre África e Ásia, diretamente ligado à Presidência da República, tornou-se um marco fundador da contribuição do governo para os estudos africanos, fermentando este campo no Brasil (Schlieckmann, 2015, p. 20).

Com a instauração da ditadura militar, Candido Mendes abrigou perseguidos políticos, e denunciou com severidade os casos de tortura, valendo-se da proximidade de sua família junto à Igreja Católica e à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Após o AI-5, seu trânsito entre a cúpula e a inteligência do regime autoritário propiciou um guarda-chuva institucional que atraiu intelectuais cerceados pelo ambiente de vigilância nas universidades públicas, transformando o então Conjunto Universitário Candido Mendes em um dos centros de ciências sociais mais dinâmicos do país, reconhecido por sua autonomia e liberdade.

Em 1973, mesmo ano da segunda missão do governo brasileiro à África, Candido Mendes retomou o projeto do IBEAA, extinto pelos militares, e o transformou no CEAA, o Centro de Estudos Afro-Asiáticos, adaptando-o para a realidade de uma instituição privada, o Conjunto Universitário Candido Mendes – transformado em universidade em 1997

Sem estar subordinado ao governo, e protegido pelas boas relações de seu diretor junto à cúpula do regime, o CEAA já nasceu com total autonomia de pesquisa sobre temas então impensáveis, como por exemplo, a utilização do marxismo como instrumento de análise teórica e o estudo da China Comunista.

Texto de: Alexandre de Paiva Rio Camargo e Camila Gonçalves De Mario.

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Conheça Carlos Hasenbalg

Carlos Alfredo Hasenbalg foi uma das principais figuras da sociologia das relações raciais no Brasil. Nascido na Argentina, formou-se em sociologia pela Universidade de Buenos Aires em 1965. Exilou-se no Chile em 1966, onde realizou pós-graduação na FLACSO, então dirigida por Gláucio Ary Dillon Soares. Em 1968, chegou ao Rio de Janeiro para colaborar na implementação do programa de pós-graduação em ciência política e sociologia do IUPERJ, instituição à qual permaneceria filiado por quase quatro décadas.

Entre 1970 e 1978, Hasenbalg combinou a docência no IUPERJ com seu doutorado na Universidade da Califórnia, Berkeley. Sua tese, intitulada "Relações Raciais no Brasil Pós-Abolição: A Preservação Suave das Desigualdades Raciais", foi publicada no Brasil em 1979 sob o título "Discriminação e Desigualdades Raciais no Brasil". É considerada uma obra marcante na sociologia brasileira por demonstrar, com dados empíricos, a persistência das desigualdades raciais mesmo após a abolição da escravatura.

Carlos Hasenbalg foi professor, pesquisador, educador geracional e autor de referências fundamentais sobre as relações entre classe, mobilidade social e desigualdade racial no Brasil. Além do clássico de 1979, ele editou e coescreveu livros como "Estrutura Social, Mobilidade e Raça" (1988), "Relações Raciais no Brasil Contemporâneo" (1992), "Cor e Estratificação Social" (1999) e "Origens e Destinos" (2003). Esses estudos, apoiados por análises quantitativas abrangentes, demonstraram como as barreiras raciais operam sistematicamente para limitar a mobilidade e as oportunidades das populações negras. Os documentos da pasta, como "Raça e Oportunidades Educacionais no Brasil" e "O negro na indústria: proletarização tardia e desigual", são exemplos da pesquisa detalhada que embasou essas publicações posteriores.

Seu trabalho no Centro de Estudos Afro-Asiáticos (CEAA) da Faculdade Cândido Mendes foi igualmente fundamental. Ele atuou como diretor do centro entre 1986 e 1996, com apoio da Fundação Ford, e lá criou o Laboratório de Pesquisa em Desigualdades Raciais. Ele editou a revista "Afro-Asian Studies", ampliou o diálogo com pesquisadores negros e consolidou o CEAA como um centro de referência nacional e internacional para estudos sobre África, diáspora e racismo. As correspondências e convites encontrados na pasta "Em memória", como a carta a Edmeire Oliveira e o telegrama convidando Beatriz Nascimento, destacam sua atuação ativa no CEAA e seus esforços para fomentar a pesquisa e o diálogo.

Hasenbalg manteve diálogo constante com o movimento negro, fornecendo evidências empíricas para sustentar alegações de racismo institucional. Seus dados foram fundamentais para subsidiar os debates sobre a implementação de cotas e políticas de ação afirmativa no Brasil nas décadas de 1990 e 2000. Documentos como sua palestra sobre "Cidadania de 2ª Classe" e artigos que discutem a situação dos negros brasileiros após a abolição demonstram seu compromisso com o engajamento público e seu uso da pesquisa para informar discussões sociais e políticas.

Aposentou-se do IUPERJ em 2005 e retornou a Buenos Aires, onde faleceu em 2014, aos 72 anos. Sua perda foi sentida por colegas, ex-alunos e pesquisadores que permanecem influenciados por seu trabalho. Suas contribuições para a compreensão de como a raça estrutura as oportunidades no Brasil contemporâneo e para inspirar maneiras de combater a desigualdade racial com base no rigor, na ética e no compromisso público são duradouras. O acervo de arquivos na pasta "Em memória" serve como um testemunho de seu significativo legado intelectual e fornece material de fonte primária essencial para qualquer pessoa que busque compreender a profundidade e a amplitude de suas contribuições para a sociologia da raça no Brasil.

Os documentos do acervo "Em memória" oferecem uma valiosa janela para a evolução do pensamento e da pesquisa de Hasenbalg após esta obra fundamental. Esta coleção inclui artigos acadêmicos, entrevistas, correspondências oficiais e palestras que demonstram seu envolvimento contínuo com as complexidades da desigualdade racial no Brasil e na América Latina do final da década de 1970 ao início da década de 1990. Esses documentos são cruciais para compreender como ele desenvolveu sua crítica à "democracia racial", conduziu análises comparativas das relações raciais e se aprofundou em áreas específicas, como as disparidades educacionais e no mercado de trabalho para negros brasileiros.

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